Problema do setor elétrico são as mesmas pessoas que o controlam há décadas, diz Moreira Franco

Há sete meses no cargo, o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, já fala como um especialista do setor, segundo ele depois de tomar “muitos cascudos” de sua equipe. Em entrevista exclusiva à Agência iNFRA, ele diz que há um excesso de corporativismo na área elétrica hoje, onde cada associação defende apenas o seu interesse, e não há a consciência de conjunto, onde o produto entregue é um só: a energia entregue ao consumidor.

Segundo o ministro, existe um conflito de interesses na cadeia produtiva de energia, e no fim das contas as ineficiências são repassadas para o consumidor, que por sua vez não tem ideia do que está pagando.

O problema do setor elétrico, para Moreira Franco, é que o mesmo grupo de pessoas o controla há décadas. “Elas se revezam: uma hora estão no governo, depois voltam para as corporações [associações], que depois voltam para o governo, e segue a roda rodando, com as mesmas pessoas. E essas pessoas perderam a noção política de que isso é um serviço público”, afirmou. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

 

Qual o diagnóstico dos principais problemas do setor elétrico feito nesses sete meses

em que o sr. está no cargo?

Eu não sou engenheiro, não sou especialista do setor, mas eu não acredito que no mundo haja uma segmentação tão corporativa como a que vivemos no setor elétrico brasileiro hoje. É um modelo soviético, que não é feito para servir às pessoas, mas aos interesses das corporações. Só que todas essas corporações compõem uma cadeia única, que tem por objetivo entregar a todos nós um só produto: a energia elétrica. Mas perderam a consciência disso.

 

Quando o sr. se refere à segmentação corporativa, quer dizer exatamente o quê?

Existe uma essência do espírito corporativo do setor. Aqui mesmo no Ministério de Minas e Energia, por exemplo: tem uma secretaria que defende mais a parte hidráulica, outra mais de térmicas, e assim por diante. Não se vê uma política de olhar o conjunto.

Isso estimula um conflito permanente entre as diversas fontes. No setor elétrico, os que produzem por hidrelétricas olham somente o seu custo, a sua compensação. Esse mesmo espírito já começa a existir na geração solar, na eólica, na térmica e etc. Daqui a pouco, se não tiver uma intervenção forte, você vai ter tudo segmentado: térmica, eólica, solar, hidráulica. Só que todas essas fontes compõem uma cadeia única que tem por objetivo entregar a todos nós o mesmo produto que é a energia elétrica.

 

Os agentes do setor olham apenas para si próprios e não pensam no setor como um

todo?

Sim. E o que isso provoca? Um conflito na cadeia produtiva. Um conflito de interesses. Por

exemplo: quantas associações do setor elétrico existem? Mais de 20! E elas são segmentadas, cada uma cuidando do seu interesse, apenas. É por isso que eu chamo esse nosso modelo de um modelo soviético.

Cada uma delas [associações] olha somente para si, sem olhar o todo. Hoje, problemas como perdas de energia, furto, problemas regulatórios e outras ineficiências são repassados para a conta de energia porque cada corporação defende o seu interesse e não o conjunto. E o consumidor simplesmente não sabe o que está pagando.

 

Os subsídios hoje representam grande parte da conta de energia, mas não há para o

consumidor a transparência total do que isso representa. Como resolver?

Sim, ninguém sabe o que é aquilo! Criam-se fundos dentro de fundos, e todos cheios de siglas. Os subsídios estão na conta, na composição do custo. Mas ninguém entende a conta. Se você mora no Sudeste, 49% do que você paga é pela energia, e o resto é imposto e subsídio. Isso não pode continuar assim!

 

Mas como resolver isso?

Hoje, os subsídios são decididos assim: conselhos formados pelas corporações decidem esses valores, que são astronômicos. E não há transparência nenhuma. A primeira coisa que tem que ser feita é desmontar essa política ideológica, esse modelo soviético.

 

Como desmontar isso?

O problema do setor elétrico hoje é que são as mesmas pessoas que o controlam há décadas. Elas se revezam: uma hora estão no governo, depois voltam para as corporações [associações], que depois voltam para o governo, e segue a roda rodando, com as mesmas pessoas.

E essas pessoas perderam a noção política de que isso é um serviço público, e tratam um bilhão de reais como se fosse nada, e sempre é o consumidor quem paga a conta. Eu não acho que vamos resolver isso aqui com as mesmas pessoas que estão aí o tempo todo.

 

Aproveitando o que o sr. disse sobre as pessoas que estão no setor, como o sr. vê a

sucessão ministerial?

É normal que existam atritos, mas eu creio que o fundamental é ter clareza do que se quer.

Eu, particularmente, tive muito boa impressão do professor Luciano de Castro [que integra a equipe de transição do futuro governo]. Talvez não devesse estar metendo a colher nessa confusão. Mas, para acabar com esse modelo soviético, é preciso uma mente muito aberta. Talvez alguém vindo de fora tenha isso.

 

Qual o perfil que o sr. considera ideal para ocupar o cargo de Ministro de Minas e

Energia?

Eu não acho que cabe a mim esse tipo de análise, mas ao novo governo que foi eleito pelo povo. Não é que eu não queira, mas eu não devo opinar, é uma seara que já não é mais a minha, mas a do próximo governo, isso é uma decisão deles.

Qual o principal conselho dado à equipe de transição do futuro governo em relação ao

setor elétrico?

Olha, eu falei para as pessoas do próximo governo o seguinte: hoje, o volume declarado de oferta de energia não é real! Existe uma distorção, e se trabalha no Brasil com um volume de energia que não existe. Os últimos leilões permitiram nova geração eólica e solar, e essas fontes acabam tendo a infraestrutura para produzir, mas as condições reais da operação não permitem gerar tudo.

O modelo todo tem que ser mudado urgentemente. Hoje, a geração é toda intermitente. Inclusive a geração hidrelétrica, porque a partir do momento em que não temos água nos reservatórios, e as novas usinas são somente a fio d’água, é uma fonte que também depende da natureza. Hoje dependemos de ventos, sol e chuva para termos energia.

 

O sr. defende a volta dos projetos hidrelétricos com grandes reservatórios?

Eu sou uma pessoa lógica. A ideologia não substitui a aritmética. Você acha que o reservatório é ruim para o meio ambiente? Então a substituição disso precisa ser obrigatoriamente melhor do que a que se quer tirar. Mas não é isso o que ocorre. A substituição é feita por geração térmica à óleo. É a mais cara e poluente que existe. Então isso não é lógico.

 

O sr. falou que hoje o volume declarado de oferta de energia não é real. Existe o risco de

desabastecimento?

Se nós não tivéssemos passado pela mais grave crise econômica da nossa história, nós teríamos o mais profundo apagão da nossa história.

Eu falei isso para as pessoas do próximo governo que cuidam disso, é urgente que se enfrente esse problema. Se nós crescermos hoje [o PIB] a uma taxa em torno de 2% a 2,5% durante três anos seguidos, nós vamos patinar na área de energia.

 

Qual o seu conselho para reverter essa situação?

O meu conselho é tentar não inventar demais: quando a ex-presidente Dilma Rousseff passou por aqui, tentou inventar, deixar uma marca nova, e deu no que deu. É preciso pegar o que existe, o que está aí, e aperfeiçoar de acordo com experiências que já deram certo. Tentar criar uma coisa inédita, totalmente nova e, principalmente tão centralizada, deu no buraco negro.

Eu acredito que o Brasil é muito grande e tem peculiaridades regionais, inclusive no que tange à geração de energia. Existem perfis regionais diferentes para certos tipos de geração. Então eu acredito que o modelo precisa ser regionalizado.

Nós vamos ter uma abundância de gás no pré-sal, e obrigatoriamente vai ser barato. Agora, é preciso ter uma logística que permita distribuir o gás, precisamos de gasodutos. Mas não há razão para ter subsídios para isso. O mercado de gás está aí, ele existe, e também vai existir o financiamento para a construção de redes de gasodutos.

Nós avançamos bastante nas fontes renováveis como eólica e solar, mas o problema é que para nós consumidores não adianta, a gente gera barato e paga caro. Impostos, ineficiências, subsídios comem essa produtividade. É preciso rever isso.

Agora, algo que precisa ser retomado com urgência é o espírito público: a consciência de que devemos desmontar essa estrutura de interesses próprios para fornecer um serviço público. Eu não estou fazendo nenhuma crítica de natureza moral, mas o efeito nefasto da corporação hoje tira das pessoas a possibilidade de ter um bem mais barato.

 

Fonte: Agência iNFRA – Leila Coimbra  e Dimmi Amora

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