Em entrevista ao jornal O Tempo, o deputado Hildo Rocha (MA) e presidente da Comissão Especial da Reforma Tributária falou sobre os trabalhos na comissão, sobre a simplificação dos impostos e sobre a atuação dos Estados no processo. O texto da reforma é de autoria do presidente nacional do MDB, deputado Baleia Rossi.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que deputados e senadores chegarão a um texto da reforma tributária até o fim do ano. Nós já estamos em novembro, o primeiro cronograma da comissão era de acabar com toda discussão ainda em outubro. Vai dar tempo de chegar a um consenso de um tema tão delicado?
Eu acredito que ainda dê tempo de concluir a votação na comissão. Até porque não é tão difícil conseguir a aprovação do relatório do Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), mas não adianta só ser aprovado na comissão e não se ter votos suficientes para se aprovar no plenário da Câmara, que exige o apoio de três quintos dos deputados (308 dos 513 parlamentares). Então, tem que ser algo mais bem trabalhado. E fica aquela expectativa se o governo federal vai mandar a proposta, e fica o Senado também trabalhando outra proposta bem mais complexa (PEC 110/2019), que traz mais mudanças constitucionais do que a PEC 45/2019, do Baleia Rossi (MDB-SP), que estamos trabalhando na comissão da Câmara.
A essência do texto da reforma tributária na Câmara vai ser a simplificação dos impostos ou vamos ter outras questões tratadas?
A prioridade dela vai ser a simplificação dos impostos sobre o consumo, dando assim uma segurança jurídica perfeita, e também vamos aumentar a transparência para que o consumidor saiba para onde está sendo destinado o recurso. Isso porque, além de consumidor, ele é contribuinte no momento em que ele está adquirindo um bem ou um serviço. Hoje, o consumidor só se vê como contribuinte quando paga o Imposto de Renda, mas quando ele paga o imposto indireto ele não sabe, pelo menos a maior parte da população não sabe e, por isso, não cobra resultado daquilo que ele está pagando.
Neste ano, o Planalto chegou a cogitar a volta da CPMF, o que logo depois foi rechaçado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL). O cidadão pode esperar alguma surpresa com o texto da comissão, como a criação de um novo imposto?
Pelo contrário, nós estamos extinguindo cinco tributos – três federais (IPI, PIS e Cofins), o ICMS, que é estadual, e o ISS, que é municipal – e estamos criando um tributo sobre o consumo chamado IBS, o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços. A proposta do Baleia somente trabalha os impostos sobre o consumo, ela não trabalha a renda, o patrimônio nem a tributação sobre a folha. E o imposto do consumo é justamente onde temos hoje a legislação mais complexa. No Brasil, nós temos 5.570 municípios, 27 Unidades da Federação, isso faz com que seja o país com maior complexidade em respeito ao tributo sobre consumo. No ranking feito pelo Banco Mundial, o Brasil é o último colocado, com quase 2.000 horas para recolher tributo, enquanto nos Emirados Árabes se gastam 12 horas. Tudo por causa da complexidade do sistema tributário na base do consumo.
E como tem sido a atuação dos Estados nesse processo? Na prática, os Estados e os municípios vão perder ou ganhar com essa proposta?
Todos os Estados e municípios ganham. Tanto é que a Confederação Nacional de Municípios (CNM) está apoiando o texto, assim como os governadores também apoiam desde que ocorram essas mudanças: comitê gestor e a criação de dois fundos. Na prática, essas mudanças os ajudam porque simplificam os impostos e dão segurança jurídica. Com isso, os municípios vão começar a arrecadar mais. Com a simples mudança no sistema, criando a segurança jurídica, você aumenta o Produto Interno Bruto (PIB). Hoje, boa parte dos investidores não investem no Brasil por conta dessa insegurança.
O senhor acredita que o governo esteja demorando para enviar a proposta de reforma tributária do Executivo? O Planalto, inclusive, já mandou outra reforma na frente, que é a administrativa…
A reforma administrativa não tem um impacto imediato na economia, diferentemente da reforma tributária. A prioridade na Câmara, como já disse o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ), é ela. Enquanto não for apreciada a reforma tributária, nós não vamos ter pressa para apreciar a reforma administrativa. E, na verdade, as partes de baixo e intermediária do governo acharam que tinham autonomia plena para fazer uma reforma tributária apoiada pelo Bolsonaro, mas o presidente não aceitou. Assim, eles perderam tempo e a gente. Eles queriam fazer a nova CPMF.
Agora, com essa perda de tempo que o senhor mesmo acabou de dizer, qual o novo cronograma trabalhado na comissão, uma vez que o próprio Maia disse que vai se ter um consenso sobre o texto até o final do ano?
Mesmo que o governo tivesse mandado a proposta dele, não ia ter como concluirmos agora, porque fomos surpreendidos pela grande quantidade de emendas. Foram 219. Foi a maior quantidade de emendas apresentadas a uma PEC na história do Parlamento. Lembrando que cada emenda precisa ter assinaturas de 171 deputados. Então, nós temos que colocar os consultores para analisar emenda por emenda. Tem emenda aglutinativa, que muda tudo, uma completamente diferente da outra, então está difícil concluir tudo isso. Na próxima semana eu vou me reunir com a parte técnica, a secretaria da comissão e com o relator do texto, Aguinaldo (Riberio), para que a gente analise e crie outro cronograma.
Mas vai dar tempo de fazer isso neste ano ainda e para o texto ficar pronto para ir ao plenário?
Eu espero que sim, porque grandes reformas, historicamente, têm sido aprovadas no primeiro ano de governo.
Qual tem sido a principal resistência na Casa em relação à PEC?
Reforma tributária todo mundo concorda que tem que ter, mas muitas vezes acontece que o parlamentar olha para o seu umbigo. Ou seja, quem é da Amazônia quer que seja mantida a Zona Franca de Manaus, os incentivos fiscais, aquela coisa toda. Aí o relator precisa ter habilidade, o que o Aguinaldo (Ribeiro) tem, para chegar a um consenso e dizer: olha, a reforma ideal e possível é essa, e é a que vamos fazer. E é por isso que o Baleia apresentou a PEC com mudanças apenas nos tributos da base de consumo.
E existe mesmo um consenso maior em relação a ele?
Tem, sim, um consenso maior e é o mais complexo.
Há décadas os governos tentam aprovar uma reforma tributária e não conseguem. Agora, temos outra questão também espinhosa neste momento, que é a quantidade enorme de polêmicas no campo político, principalmente em relação ao Planalto. Isso vai atrapalhar o andamento da reforma tributária?
Não atrapalha, até porque essa proposta não é do governo, é da Câmara. Assim como a que está no Senado também é da Câmara. E os próprios deputados governistas querem uma mudança no sistema tributário, principalmente na questão do consumo. Inclusive, por ser uma proposta da Câmara, tem até mais facilidade em ser aprovada. Agora, seria bom o governo mandar logo a proposta dele até pra gente saber o que eles pensam.