Líder do MDB na Câmara, o deputado federal Baleia Rossi, falou em entrevista ao Estadão nesta segunda-feira (24) “que há hoje no cenário político uma “conspiração” a favor da aprovação da mudança do sistema tributário brasileiro”. Baleia é o autor da proposta da reforma tributária.
Confira os principais trechos da entrevista:
É mais fácil o projeto passar na Câmara começando do zero?
Tem menos interferência no mercado. Temos hoje um parlamento 50% renovado. É razoável imaginar que esses novos deputados queiram debater um projeto de tamanha magnitude. Vamos respeitar muito as ideias do Hauly (ex-deputado Luiz Carlos Hauly, ex-relator da reforma tributária). Agora, é importante começar do zero.
Por que não esperar a proposta do Executivo?
Estive na semana passada em uma palestra com o Marcos Cintra (secretário especial da Receita Federal), e ele disse que é absolutamente natural e correto haver protagonismo do Legislativo na reforma tributária. Temos 30 anos de debate. Os fatores políticos hoje são convergentes e favoráveis para acabar essa novela.
Muitos veem a sua PEC como uma proposta ‘anti-Guedes’.
Claro que não é ‘anti-Guedes’. Pelo contrário, temos que fazer a quatro mãos: o Parlamento e o governo federal. Uma pauta dessa magnitude não anda se não houver diálogo e convergência com o governo federal.
Não tem briga?
Não tem e fomos muito corretos. Aprovamos o projeto na CCJ em abril e esperamos exatamente para que o Parlamento não usasse a reforma tributária para atrapalhar a reforma da Previdência. Então, tivemos esse zelo, esse cuidado. Se você perguntar hoje para um deputado se ele prefere votar Tributária ou Previdência, todo mundo vai querer a primeira. Por isso, esperamos a previdenciária avançar.
A proposta do Cintra prevê três etapas. Um delas conversa com a do senhor e as outras duas, não. Como fazer um modelo convergente?
Em todas as entrevistas, o presidente Bolsonaro diz que a reforma tributária é uma prioridade. O Cintra elogia a proposta e reconhece que é um estudo bem feito. Ele faz só uma ponderação: a de que será mais difícil a aprovação política na Câmara e no Senado porque a reforma unifica também os impostos estaduais e municipais. Mas o fato de ser oriunda do Parlamento também teve um facilitador na própria CCJ. Nós conseguimos praticamente unanimidade na admissibilidade. Só o PSOL votou contra, mas outros partidos da oposição votaram a favor.
Esse quadro pode se repetir na comissão especial que vai analisar a PEC?
Eu acho que eles (oposição) vão contribuir porque é uma oportunidade única. Imagina a Câmara e o governo federal trabalhando juntos a quatro mãos, respeitando o ministro da Economia, Paulo Guedes, que já sinalizou que vai mandar sugestões e participar efetivamente da discussão dessa PEC. Conseguiremos em 2019 superar duas das pautas mais estruturantes (Previdência e Tributária).
O País tenta emplacar a reforma há décadas. Por que tamanha confiança?
Primeiro, porque o ICMS está caindo e fadado a morrer. A unificação dos cinco impostos vai mudar totalmente a tributação: vai tudo para o consumo. Isso vai acabar com guerra fiscal.
O senhor avaliar que guerra fiscal voltou, puxada pelo governador de São Paulo, João Doria?
Com a entrada de São Paulo, a guerra fiscal já não interessa mais a ninguém. Esse é um movimento de sobrevivência, natural de um governante que não quer perder investimentos. Mas é preciso acabar com distorções, como a de São Paulo dando incentivo para frigorífico, sendo que o boi está em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
O fim dos incentivos fiscais previsto não pode retirar votos?
Isso será conversado e solucionado na comissão especial. Há duas medidas importantes que o Cintra falou que governo deve tomar e que são importantes para equilibrar a votação da PEC. Uma é a diminuição do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, que deve ir de 34% para 25%. Também será repensado o imposto para pessoa física. E tem também a desoneração da folha. Devem ser facilitadoras da tramitação.
A proposta de desoneração do governo prevê um imposto semelhante à CPMF. Não é um fantasma?
Vamos ter de nos debruçar sobre o projeto que virá e verificar o que é mais vantajoso para o País em termos de geração de empregos e retomada da economia. Claro que há uma resistência grande no Parlamento pela sua história. Não dá para o Parlamento tocar um projeto da magnitude da reforma tributária sem que seja em parceria com o governo federal. Teremos de trabalhar todos em conjunto.
Não é um sonho aprovar logo?
Não, é a realidade. Vamos superar, no primeiro semestre, a previdenciária, e vamos fazer, no segundo semestre, a tributária. Os líderes estão começando a fazer as indicações de cada partido, e devemos, em julho, instalar a comissão especial. Queremos fazer a discussão de mérito agora e deixar preparado para votar efetivamente no plenário no segundo semestre. Essa é a nossa intenção. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também já colocou como prioritário.
Qual o papel dos governadores na discussão?
Na discussão de mérito, todos terão que ser chamados. Os governadores do Nordeste, inclusive, fizeram um fórum sinalizando apoio à reforma já com algumas sugestões. A nossa PEC estabelece uma transição longa, que dá tranquilidade para quem investiu. São dez anos. As empresas que investiram numa realidade de guerra fiscal precisam ter um tempo para recuperar esse investimento. Não dá para fazer uma interferência que simplesmente fala: “Olha pessoal, mudou a regra do jogo da noite para o dia”.
E os incentivos da Zona Franca, como ficam?
Esse será um tema que, tenho certeza, vai ser resolvido na discussão do mérito. Na verdade, a PEC tem uma premissa: não dá para ter nenhum incentivo no IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). A proposta já prevê um fundo de desenvolvimento regional. Mas tudo está conspirando a favor da reforma.
O que é fundamental na sua PEC?
A tributação 100% no consumo. Isso fará com que o brasileiro, pela primeira vez na vida, saiba o que está pagando de imposto. Quando o contribuinte sabe o que está pagando, vai cobrar ações do poder público para retornar o imposto pago. A reforma não vai baixar a carga tributária no primeiro momento, pois é uma soma das alíquotas que já existem. Mas, diminuindo o custo Brasil, é natural que os produtos cheguem com preços mais justos, e o efeito que isso pode dar no PIB em geração de empregos vai, com certeza, melhorar a vida das pessoas.
Como será o perfil do relator?
A relatoria tem que ser de um deputado sênior, com experiência, que não vai ser muito suscetível a lobbys e pressões de setores.
Com a reforma tributária, faz sentido o relatório da reforma da Previdência elevar a tributação dos bancos?
Faz, porque um movimento vem antes do outro. Temos que, primeiro, resolver o problema da Previdência, e essa proposta que o Samuel Moreira (relator da PEC da Previdência) colocou ajuda na equação final de economia.
As conversas técnicas com a equipe econômica já começaram?
Estamos esperando a Previdência avançar para começar o diálogo mais próximo. Vai começar no fim do mês. Primeiro, teremos reuniões e, depois, vamos estabelecer agendas. O correto é, inclusive, a comissão especial trabalhar em uma agenda combinada com o governo federal.