Sarney conta que quase não tomou posse como presidente há 40 anos

Neste sábado (15), completam-se 40 anos da chega do MDB à presidência da República, o que encerrou o período de 21 anos de ditadura militar. Eleito vice-presidente em janeiro daquele ano, José Sarney tomou posse como interino após o presidente eleito Tancredo Neves passar mal na véspera.

A cerimônia de posse foi rápida, cercada de preocupações devido ao contexto em que foi realizada. Era primeira vez, em duas décadas, que um civil sentava na cadeira de presidente da República. Temia-se que o processo redemocratização fosse interrompido, e os militares permanecem no poder.

José Sarney hesitou em tomar posse, e chegou a cogitar que Ulysses Guimarães, recém-eleito presidente da Câmara, assumisse o comando País. A avaliação é que Ulysses, por ser presidente nacional do MDB, teria mais respaldo do Congresso Nacional. Sarney era novato na sigla, indicado pela Frente Liberal.

A Frente Liberal foi criada por membros dissidentes do PDS (Partido Democrático Social) que discordaram da candidatura de Paulo Maluf, candidato apoiado pela ditadura militar, contra Tancredo no Colégio Eleitoral realizado em 15 de janeiro de 1985. Sarney foi indicado vice pela Frente Liberal, que seria batizado PFL.

No entanto, para concorrer como vice de Tancredo, Sarney se filiou ao PMDB no dia 16 de agosto de 1984, apenas cinco meses antes da realização do Colégio Eleitoral. Por conseguir votos fundamentais dentro PDS para Tancredo e em outras siglas, Sarney teve papel crucial na eleição, mesmo assim temia as resistências internas.

Com o apoio de lideranças do MDB e o compromisso de que leria um discurso de Tancredo e nomearia os ministros indicados por ele, Sarney tomou posse. Trinta e seis dias depois, Tancredo faleceu em decorrência da série de problemas que teve no intestino.

Sarney tomou posse como titular e concluiu o próximo de transição democrática com a promulgação da Constituição de 1988 e a eleição direta para presidente em 1989.

Leia abaixo trecho de entrevista inédita do presidente José Sarney. O depoimento dá início a série histórica que a Fundação Ulysses Guimarães pretende registrar nos próximos meses com lideranças emblemáticas do MDB.

– O senhor já deu muitos depoimentos sobre aquele momento da posse, da véspera da posse, mas gostaria que o senhor comentasse como é que foi aquele dia, onde o senhor estava, como recebeu a notícia de que o Tancredo tinha sido hospitalizado.

– Eu fui o último a acreditar que o Tancredo ia morrer. Eu não estava preparado para aceitar a morte do Tancredo. E recebi a primeira notícia da doença do Tancredo quando eu saí da tribuna. Não fiz um discurso de despedida, não gosto de dizer adeus. Eu fiz o meu discurso de saída reapresentando o projeto de incentivos à cultura, que cinco vezes tinha sido recusado. A minha causa parlamentar foi a cultura. Eu apresentei o projeto de incentivos à cultura, apresentei o projeto da volta dos cérebros para o Brasil, dando bolsa para quem quisesse voltar porque eles tinham saído pelo movimento deles em 64. A lei de incentivos à cultura, a lei do livro, todas essas leis foram feitas por mim, de maneira que essa foi a minha grande causa durante todo o tempo. Foi o primeiro discurso que foi feito no Congresso sobre meio ambiente quando houve a COP de Estocolmo, projeto de cotas que ninguém nunca falou no Brasil, fui eu que levantei e apresentei o projeto de cotas. Enfim, essa sempre foi a minha causa parlamentar. De maneira que o último discurso meu foi esse. Eu tinha horror àquelas sessões de despedida, apartes, “o senhor fez isso, fez aquilo”. Eu não gosto disso. E foi esse discurso. E aí, vi na tribuna, ao lado direito, o doutor Renault, porque quando eu saí, o Renault já estava com a saída e me disse: eu quero falar com você. E me levou para o meu gabinete e me disse: “Você sabe o que está acontecendo com o Tancredo?” Eu disse: “Não.” Eu não sabia. “O Ulysses não te disse?”. Eu disse: “Não. Ulysses ficou de me avisar e não me avisou.” Disse: “Ele está com o abdômen agudo e possivelmente nós vamos interná-lo hoje à noite.” E eu disse: “Não me diga uma coisa dessa.” Saí dali e fui para a missa no Dom Bosco, onde o Tancredo estava. E ali eu vi o Tancredo com a mão aqui e o Renault me deu uma ordem: “Tudo que o Tancredo fizer, você faça.” Então o Tancredo levantava, eu me levantava, Tancredo sentava, eu me sentava. E o Tancredo subiu no altar ajoelhado para tomar e com a mão aqui. Eu calculo a dor que ele estava sentindo. E umas 9 horas da noite o Aluízio Alves me telefona: “Sarney, você sabe que o Tancredo acaba de ser internado no hospital em Brasília.” Eu digo: “Vou para lá agora.” E fui pra lá nessa mesma hora. E lá encontrei o Ulysses. Só o Ulysses, estava numa salinha, com aqueles móveis do Grupo de Trabalho de Brasília, o GTB. Então o Ulysses me disse: “Sarney, veja em que situação nós estamos. Tancredo nessa situação e você vai ter que assumir.” Eu digo: “Não quero assumir – eu assumo com Tancredo. O Renault me disse que daqui a oito dias ele está recuperado e eu assumo com ele. Não quero assumir sozinho. Não quero aparecer como um impostor perante a nação, não sou homem para isso.” Eu disse: “Assuma você, Ulysses, eu não posso assumir, eu não tenho, constitucionalmente, o dever de assumir. Ulysses disse: “E nós que lutamos tantos anos para que chegasse nessa hora, vamos morrer na praia? Você não pode negar esse serviço prestado ao Brasil. Já te disse isso uma vez quando tive que aderir a eles.” Aí eu disse: “Vou para casa descansar que aqui vocês estão discutindo quem vai assumir e eu não quero participar dessa decisão.” Aí saí, fui para minha casa. Nessa hora que eu ia saindo já encontrei o Leônidas, Pedro Simon, Montoro e muitas outras pessoas, que estavam discutindo. Aí o Leônidas assumiu a direção – acostumado a mandar, né? Disse: “Vamos ao Leitão de Abreu dizer que amanhã às 10 horas assume o Sarney.” Aí eu disse: “Com licença, eu não vou tomar partido nessa discussão porque eu já manifestei a minha opinião, que é não assumir.” “Você não pode ter uma atitude desta nessa hora, me disse o Ulysses mais uma vez.” Aí, nessa hora, o Leônidas virou para o general Barroso e disse: “Barroso, você que está de gravata, me dê sua gravata.” Aí o Barroso tirou a gravata. Leônidas botou, eles desceram, pegaram o carro do Heráclito Fortes e foram para a casa do Leitão de Abreu. Lá depois eles me relataram que tinham chegado e o Leitão de Abreu disse: “Quem tem que assumir é o Ulysses.” E o Ulysses disse: “Eu não posso.” Passou, eu não era mais presidente. Estava na casa do Castelinho quando o Leitão estava lá tomando uísque. Eu fui visitar o Castelinho e encontrei com o Leitão. O Leitão disse: “Você não sabe o que aconteceu naquela noite, vou te dizer. Eu não podia ficar contra o Figueiredo porque contra o Figueiredo eu tinha sido chefe da Casa Civil. Eu parecia um desertor, e eu não queria essa situação. Então eu disse… mas eu tinha plena certeza que era você que tinha que assumir, a Constituição dizia isso. Agora o que você não sabe é que em seguida chegou o general Walter Pires. E aí é aquela história que te contei. Eu disse a ele: ‘O Sarney vai assumir às 10h da manhã.’ Ele disse: ‘Mas o Sarney não pode assumir, o Exército não aceita.’ E disse: ‘Vou agora mesmo para os quartéis.’ Aí o Leitão de Abreu disse: “O senhor não é mais ministro porque eu publiquei o decreto de exoneração, os jornais já assinaram, está assinado pelo presidente.’ E o Walter Pires: ‘Já? Então está tudo perdido.”

– Mas aí tem um telefonema do Leônidas para o senhor.

– Sim, aí eu estava em casa, eu fiquei em casa. Minha casa começou a encher. Chegou o Saulo Ramos, meu amigo da vida inteira, e disse: “Eu vou apresentar um mandado de segurança imediatamente no Supremo.” Ele já estava meio com as dores. Aí eu disse: “Saulo, você apresenta esse mandado de segurança pedindo para eu não assumir e não para que eu assuma.” E aí eu fiquei em casa e disse: “Vou pedir licença a todos, mas estou muito abalado, vou me recolher ao meu quarto.” Aí me recolhi ao meu quarto e como sou um homem de fé, comecei a rezar. Às 3h da manhã o telefone toca, minha mulher atendeu, era o Leônidas pedindo para falar. Aí eu atendi e ele disse: “Olha, Sarney, todas as tratativas foram feitas. Nós reunimos a mesa do Congresso, a mesa lavrou uma ata dizendo que é você que tem que assumir. Os partidos todos estão de acordo, se prepare que às 8h da manhã você desça que o general Denys já estará ali, que te levará na casa do Tancredo. Você vai cumprir toda a coisa que estava preparada para o Tancredo.” Eu disse: “Leônidas, você sabe que eu não quero assumir, vai ser muito ruim pra mim”. Ele disse: “Olha Sarney, não cria mais caso. Boa noite presidente”, e aí bateu o telefone.

Redação: Adriano Ceolin
Entrevista: Leonencio Nossa

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